Equipe:


Aurélio Giacomelli da Silva - Promotor de Justiça

Letícia Titon Figueira - Assistente de Promotoria

Ana Paula Rodrigues Steimbach - Assistente de Promotoria

Mallu Nunes - Estagiária de Direito

Giovana Lanznaster Cajueiro - Telefonista

Mário Jacinto de Morais Neto - Estagiário de Ensino Médio




segunda-feira, 31 de março de 2014

Serviço de Acolhimento Familiar - Descumprimento de termo de ajustamento de conduta por parte do Município de Palhoça - Execução ajuizada para implementação do serviço no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de cominação de multa diária e pessoal contra o Prefeito e o Secretário de Assistência Social




EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAMÍLIA, ÓRFÃOS, SUCESSÕES, INFÂNCIA E JUVENTUDE DE PALHOÇA/SC.   

SIG n. 08.2014.00094389-3

As crianças precisam de uma família, não apenas de uma instituição!

URGENTE

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA, por intermédio de seu Órgão de Execução, com fundamento no artigo 129, incisos II e III, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988; nos artigos 148, inciso IV, 209, 211 e 213, todos da Lei n. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente); nos artigos 100, inciso IV, alínea 'd', 461, 566, inciso II, 585, inciso VIII, 632 e seguintes e 645, todos do Código de Processo Civil; bem como com fulcro no artigo 5º, § 6º, da Lei n. 7.347/85, vem propor a presente: 

AÇÃO DE EXECUÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER FUNDADA EM TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL

em desfavor do MUNICÍPIO DE PALHOÇA, pessoa jurídica de direito público, CNPJ 82.892.316/0001-08, com endereço na Av. Hilza Terezinha Pagani, n. 289, Parque Residencial Pagani, Palhoça/SC, representado pelo Prefeito e pelo Procurador-Geral do Município, nos moldes do artigo 12, inciso II, do Código de Processo Civil, pelas razões de fato e de direito que passa a expor:

I - DA COMPETÊNCIA DO JUÍZO:

Extrai-se da Lei n. 8.069/90 que é competente o Juízo da Infância e Juventude para julgar ações civis fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao adolescente, conforme se depreende da leitura do artigo 148, inciso IV, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Infere-se ainda do Estatuto da Criança e do Adolescente que as ações relacionadas à criança e ao adolescente serão propostas no foro do local onde ocorreu ou deva ocorrer a ação ou omissão, cujo Juízo terá competência absoluta para processar a causa (artigo 209 da Lei n. 8.069/90).

Paralelamente, o Código de Processo Civil (art. 100, inciso IV, alínea 'd'), dispõe taxativamente que é competente o foro do lugar onde a obrigação deve ser satisfeita para a ação em que se lhe exigir o cumprimento.

Portanto, como a obrigação de fazer deve ser cumprida nesta Comarca de Palhoça, a fixação da competência deve ocorrer neste foro judicial.

II – DA LEGITIMIDADE ATIVA:

Da legislação constitucional e infraconstitucional deflui a legitimação do Ministério Público para a propositura desta ação de execução.

O  artigo 129, incisos II e III, da Constituição de 1988 dispõe:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: 
[...] 
II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.

Ademais, perlustrando a Lei n. 8.069/90, denota-se que o Ministério Público pode tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, o qual terá eficácia de título executivo extrajudicial (art. 211). 

Nesse sentido, o art. 5º, § 6º, da Lei n. 7.347/85 prescreve que "os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial".

Fazendo uso de sua legitimidade, este Órgão de Execução do Ministério Público celebrou Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta com o Município de Palhoça, que não cumpriu as cláusulas do TAC, conforme será mencionado na sequência, no tópico "dos fatos".

Em razão desse descumprimento, a execução do Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta é medida que se impõe, porque o Ministério Público não pode desistir da execução nem abandoná-la. Ressalte-se que a desistência seria uma afronta ao título executivo, mediante o qual já se identificou o reconhecimento do direito.

Dessa forma, no escopo de executar o ajuste promovido por este Órgão de Execução, legalmente legitimado, nos termos do artigo 566, inciso II, do Código de Processo Civil, o ajuizamento deste feito é medida imperativa.

Logo, verifica-se-se que o Ministério Público detém legitimidade para propor esta ação de execução.

III – DOS FATOS:

No Brasil o acolhimento institucional (em abrigos) constitui-se historicamente na medida de proteção mais utilizada em prol de crianças e de adolescentes em grave situação de vulnerabilidade, pois desde a criação das Rodas de Expostos ou Rodas de Enjeitados, as políticas de assistência social priorizaram o "internamento" dos infantes.

Assim, neste país desrespeita-se o convívio comunitário e social, bem como os benefícios de criação de indivíduos no seio de uma família.

Ocorre que o acolhimento familiar, pouco contemplado no cenário nacional, é uma medida de proteção possível para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, favorece a não institucionalização dessas pessoas em desenvolvimento e garante a condição de sujeitos de direitos no seio de uma família.

Nesse passo, a legislação atual estabelece que os interesses das crianças e dos adolescentes devem ser providos prioritariamente por uma família e não por uma instituição. 

Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988 reza que a família é a base da sociedade (art. 226, caput) e que é assegurado aos infantes convivência familiar e comunitária (art. 227, caput), deixando claro o papel da família na vida das crianças.

E levando-se em conta a proteção integral e a prioridade absoluta previstas em prol das crianças e adolescentes, buscando evitar a institucionalização e acreditando no acolhimento familiar como medida de proteção imprescindível, inclusive para que o direito à convivência familiar não seja "letra morta", é que este Órgão de Execução do Ministério Público instaurou o Inquérito Civil n. 06.2012.00004755-3 (cópia integral – fls. 50/233). 

No aludido Inquérito Civil, instaurado em 02 de julho de 2012 (Portaria – fls. 50/53), foram realizadas diversas diligências, como requisições de informações ao Poder Legislativo de Palhoça acerca da tramitação de um projeto de lei no objetivo de criar o serviço de acolhimento familiar nesta urbe (Projeto de Lei n. 814/2011 – fls. 54/60), aos representantes do Poder Executivo de Palhoça e à Assistência Social desta cidade (Ofícios – fls. 121/132).

Posteriormente, aportou nesta Promotoria de Justiça a notícia de que o Projeto de Lei com o escopo de implantar o Programa de Acolhimento Familiar estava, em resumo, aguardando votação (Ofício n. 074/2012 – Gabinete da Presidência da Câmara Municipal de Palhoça – fls. 133/156).

Na sequência, a Secretária de Assistência de Palhoça, à época, informou, em síntese, que o referido Projeto de Lei estava bem embasado e que o Programa de Acolhimento Familiar ampliaria as formas de atendimento às crianças e aos adolescentes palhocenses (fls. 157/161).  

Em seguida, informou-se no Inquérito Civil que originou este feito que o projeto de lei que tinha a finalidade de criar o serviço de acolhimento familiar seria retirado de pauta (Ofício n. 08/2011 - Gabinete do Vereador - fl. 172).

Após, o Prefeito de Palhoça, em exercício no ano de 2012, ratificou as informações apresentadas pela Secretaria Municipal de Assistência Social de Palhoça, ou seja, de que o Programa de Acolhimento Familiar ampliaria as formas de atendimento às crianças e aos adolescentes desta cidade (Ofício n. 415/GAB/2012 - fls. 173/179).

Diante desse descaso, referente à não implementação de Programa de Acolhimento Familiar nesta Comarca, haja vista a inércia da Municipalidade, este Órgão de Execução, fazendo valer os ditames contidos na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente, nas Orientações Técnicas do Ministério do Desenvolvimento Social e na abalizada doutrina, elaborou minuta de termo de compromisso de ajustamento de conduta, designou data para propor celebração de ajuste e notificou as partes interessadas (fls. 188/206).

Ato contínuo, foi celebrado com o Município de Palhoça termo de compromisso de ajustamento de conduta, no dia 27 de março de 2013, momento em que o Município executado comprometeu-se a implementar o Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora no âmbito da rede de proteção, no prazo de 1 (um) ano: ou seja, até 27 de março de 2014 (TAC – fls. 207/215), mediante as seguintes cláusulas:

"I - QUANTO AO COMPROMISSÁRIO MUNICÍPIO DE PALHOÇA

1 – Implementar o Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora no âmbito da rede de proteção do município de Palhoça, de acordo com o documento denominado Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes, que serve de base deste acordo extrajudicial;

2 – Tomar todas as providências necessárias para que esse  Serviço organize o acolhimento, em residências de famílias acolhedoras cadastradas, de crianças e adolescentes afastados do convívio familiar por meio de medida protetiva, em função de abandono ou cujas famílias ou responsáveis encontrem-se temporariamente impossibilitados de cumprir sua função de cuidado e proteção, até que seja viabilizado o retorno com a família de origem ou, na sua impossibilidade, encaminhamento para adoção.

3 – Que o público alvo do Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora sejam crianças e adolescentes de 0 a 18 anos que receberem a medida protetiva descrita no artigo 101 inciso VIII do Estatuto da Criança e do Adolescente; 

4 -   Cada família acolhedora deverá acolher uma criança por vez, com exceção das hipóteses de grupos de irmãos, quando então o número de um poderá ser ampliado;

5 – As famílias acolhedoras serão capacitadas, orientadas e permanentemente acompanhadas pela equipe técnica do Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora, que terá a incumbência de selecionar as famílias aptas a acolher crianças e adolescentes;

6 – O acolhimento em família acolhedora previamente cadastrada será efetivado por meio de expedição de termo de guarda provisória, que será sugerido e solicitado pela equipe técnica do programa ao Juízo da Infância e da Juventude de Palhoça  

7 – A manutenção da guarda provisória, que não se confunde com a adoção, deverá sempre estar vinculada à manutenção da família no programa, o que sempre deverá ser fiscalizado por sua equipe técnica;

8 – Para o correto funcionamento do Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora, deverão ser tomadas ainda as seguintes providências: 

A) ampla divulgação sobre os objetivos e sobre a operacionalização do Serviço; 

B) acolhida e avaliação inicial das famílias interessadas por equipe multidisciplinar qualificada; 

C) avaliação documental dos pretendentes (RG, CPF, comprovante de residência, comprovante de rendimentos, certidão negativa de antecedentes criminais, atestado de saúde física e mental) 

D) seleção, após a realização de minucioso estudo psicossocial;

E) capacitação das famílias selecionadas;

F) cadastramento e 

G) acompanhamento. 

9 – a equipe técnica do Serviço terá a incumbência de efetuar a preparação e o acompanhamento psicossocial da criança/adolescente, da família acolhedora, da família de origem e da rede social de apoio.

10 – o desligamento do programa só ocorrerá quando for avaliado pela equipe técnica, em conjunto com o Ministério Público, com o Poder Judiciário e com a rede de proteção envolvida, a possibilidade de retorno familiar, a necessidade de acolhimento em outro espaço de proteção ou o encaminhamento para adoção;

11 – Como recursos humanos, o Serviço de Acolhimento em Família acolhedora deverá ter no mínimo os seguintes integrantes:

COORDENADOR
Perfil
- Formação mínima: Nível superior e experiência em função congênere
- Amplo conhecimento da rede de proteção à infância e juventude, de políticas públicas e da rede de serviços da cidade e região
Quantidade- 1 profissional por serviço
Principais atividades desenvolvidas
- Gestão e supervisão do funcionamento do serviço
- Organização da divulgação do serviço e mobilização das famílias acolhedoras
- Organização da seleção e contratação de pessoal e supervisão dos trabalhos desenvolvidos
- Organização das informações das crianças e adolescentes e respectivas famílias
- Articulação com a rede de serviços
- Articulação com o Sistema de Garantia de Direitos 
                                             
EQUIPE TÉCNICA
Perfil
- Formação Mínima: Nível superior
- Experiência no atendimento a crianças, adolescentes e famílias em situação de risco 
Quantidade
- um psicólogo e um assistente social (de acordo com a NOB-RH/SUAS) para o acompanhamento de até quinze famílias de origem e quinze famílias acolhedoras
- Carga horária mínima indicada – 30 horas semanais
- Necessidade de flexibilidade nos horários dos profissionais 
Principais atividades desenvolvidas
- Acolhida, avaliação, seleção, capacitação, acompanhamento, desligamento e supervisão das famílias acolhedoras
- Articulação com a rede de serviços e Sistema de Garantia de Direitos
- Preparação e acompanhamento psicossocial das famílias de origem, com vistas à reintegração familiar
- Acompanhamento das crianças e adolescentes
- Organização das informações de cada caso atendido, na forma de prontuário individual
- Encaminhamento e discussão, planejamento conjunto com outros atores da rede de serviços e do Sistema de Garantia de Direitos das intervenções necessárias ao acompanhamento das crianças e adolescentes e suas famílias
- Elaboração, encaminhamento e discussão com a autoridade judiciária e Ministério Público de relatórios, com frequência bimestral ou semestral, sobre a situação de cada criança e adolescente apontando: 1) possibilidades de reintegração familiar, 2) necessidade de aplicação de novas medidas, 2) quando esgotados os recursos de manutenção na família de origem, a necessidade de encaminhamento para adoção 

12 – Como infra-estrutura, o Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora deverá ter no mínimo os seguintes espaços que deverão funcionar em área específica para atividades técnico-administrativas:

CômodoCaracterísticasSala para equipe técnica - Com espaço e mobiliário suficiente para desenvolvimento de atividades de natureza técnica (elaboração de relatórios, atendimento, reuniões, etc.) com independência e separação de outras atividades e/ou programas que a instituição desenvolva.Sala de coordenação/atividades administrativas- Com espaço e mobiliário suficiente para desenvolvimento de atividades administrativas (área documental, contábil, financeira, etc.,)
- O espaço administrativo deve ter área reservada para guarda de prontuários das crianças e adolescentes, em condições de segurança e sigilo  
Sala de atendimento- Com espaço e mobiliário suficiente para atendimento individual ou familiar e condições que garantam privacidadeSala/espaço para reuniõesCom espaço e mobiliário suficiente para a realização de reuniões de equipe e de atividades em grupo
13 – Disponibilizar meio de transporte que possibilite a realização de visitas domiciliares e reuniões com os demais atores do Sistema de Garantia de Direitos e da Rede de Serviços.

II – QUANTO AO PRAZO

O prazo para a efetiva implementação do Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora, com todas as diretrizes apontadas neste Termo de Ajustamento de Conduta, que se embasou no documento denominado Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes, é de 01 (um) ano, a  contar desta data (27/03/2013)",

Após a constituição do título executivo extrajudicial, o Inquérito Civil n. 06.2012.00004755-3 foi arquivado (fls. 216/223), foi devidamente homologado pelo Conselho Superior do Ministério Público (fls. 224/233) e deu origem ao Procedimento Administrativo de Fiscalização de Ajuste n. 09.2013.00001609-7.  

Empós, visando obter informações sobre o cumprimento do termo de compromisso de ajustamento de conduta, uma vez que o prazo fixado para implementar o Programa de Família Acolhedora em Palhoça estava na iminência de vencer, este Órgão de Execução expediu ofícios ao Prefeito de Palhoça, ao Procurador-Geral do Município e à Secretaria Municipal de Assistência Social (fls. 11/21).

Na sequência, o Vice-Prefeito e Secretário Municipal de Assistência Social, em resposta à requisição expedida, resumiu-se em encaminhar cópia de projeto de lei que dispõe sobre a criação do Programa Família Acolhedora e solicitou análise do aludido projeto por parte do Ministério Público, do Poder Judiciário e CMDCA de Palhoça - Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (fls. 22/32).

Diante dessa atitude evasiva e procrastinatória, o Ministério Público expediu ofícios aos representantes do Município, requisitando-se, até o dia 27 de março de 2014, que fosse comprovado o integral cumprimento do acordo extrajudicial celebrado (fls. 33/47).

Em seguida, o Procurador-Geral do Município (fl. 48), o Vice-Prefeito e Secretário Municipal de Assistência Social (fl. 49) e a Diretora Municipal de Assistência Social de Palhoça (fl. 234) solicitaram a designação de nova audiência para reabrir e ampliar a discussão sobre o tema do vertente caso, em total desrespeito ao título executivo extrajudicial constituído e, principalmente, às crianças e aos adolescentes palhocenses em grave situação de vulnerabilidade. 

Assim, verifica-se que o título executivo extrajudicial do caso em tela contém cláusulas embasadas no direito à convivência familiar e comunitária das crianças e dos adolescentes, no direito à proteção especial, no direito dos infantes de serem educados no seio de uma família (de origem ou substituta), no direito à inclusão em programas de acolhimento familiar, que têm preferência ao acolhimento institucional, mas esta medida de proteção está sendo diametralmente vilipendiada pelo Município executado. 

Frise-se que é notório que o executado não cumpriu nenhuma cláusula do termo de compromisso de ajustamento de conduta executado, deixando claro o descaso dispensado às crianças e aos adolescentes de Palhoça, que já sofrem com a falta de estrutura familiar.

Logo, muitas crianças e adolescentes estão sofrendo prejuízos incalculáveis pela falta de um Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora, o que pode repercutir pelo resto de suas vidas e que obviamente vem de encontro aos ditames da legislação de garantias em vigência.

Sabe-se que estes infantes sofrem com a negligência, com a fome, com o desemprego, com problemas de relacionamento, com a utilização de substâncias estupefacientes, com abusos sexuais, com a carência econômica e com a desorganização familiar, sendo, portanto, vítimas da omissão familiar e estatal.

É oportuno destacar que são estas crianças e adolescentes que a própria Constituição Federal denomina “sujeito de direitos”. São eles a “prioridade absoluta constitucional”, que estão sendo pela segunda vez vítimas da violência, aqui consistente na omissão do Município de Palhoça.

Desta forma, é irrefutável que os programas e serviços de acolhimento necessitam ser ampliados, para que Palhoça também tenha o Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora, a fim de promover um ambiente propício que ampare estas pessoas em desenvolvimento.

Registre-se também que ficou estabelecido no mencionado TAC, no qual o Ministério Público procurou incessantemente o acordo extrajudicial e estendeu ao máximo seus prazos, aplicando-se os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, com o intuito de sensibilizar e estimular a municipalidade acerca de sua obrigação,  que "o não cumprimento dos itens ajustados implicará na multa pecuniária no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a cada mês de descumprimento, reajustado pelo INPC ou índice equivalente, a ser recolhido em favor do FIA do Município de Palhoça, além da execução judicial das obrigações ora ajustadas" (fl. 8).

Mas, mesmo com a fixação de multa e com amplo prazo, o Município executado está descumprindo esse importante ajuste. 

Logo, transcorreu o elástico prazo de um ano e o executado continua a descumprir o termo de compromisso de ajustamento de condutas celebrado.

Assim, analisando-se o feito, fica claro que as cláusulas vencidas  previstas no compromisso assumido, cujo ônus é exclusivo do Município, não foram cumpridas, evidenciando o desrespeito e a indiferença com que são tratados os direitos e garantias assegurados às crianças e adolescentes desta Comarca.

Sobreleva ressaltar que como o prazo aludido já se escoou, a inadimplência se configurou.

Sabe-se que não é dado ao Poder Público celebrar acordo com o Ministério Público e, quando bem entender, descumpri-lo. Sabe-se também que a criança e o adolescente têm direito ao acolhimento em família substituta, direito esse preferencial em relação ao acolhimento institucional e que se configura como medida de proteção.

Dessa forma, a desídia, o descaso e a omissão, que perduram desde o ano de 2011 (Projeto de Lei n. 814/2011), bem como o desrespeito  ao título executivo extrajudicial, não devem prosperar, pois as crianças e os adolescentes palhocenses são dignos do atendimento com qualidade em serviços criados para salvaguardá-los. 

Assim, há que se invocar a tutela jurisdicional, no objetivo de compelir o executado a cumprir o termo de compromisso de ajustamento de conduta, em prazo exíguo, fazendo valer o título executivo extrajudicial de fls. 1/9, no qual já identificou-se e reconheceu-se o direito.

IV – DO EMBASAMENTO PARA A IMPLEMENTAÇÃO DA MEDIDA DE PROTEÇÃO DE ACOLHIMENTO EM FAMÍLIA ACOLHEDORA:

A Constituição Federal de 1988 dispõe que:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
[...] 
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Ademais, extrai-se do Estatuto da Criança e do Adolescente que:

Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.
[...] 
Art. 34.  O poder público estimulará, por meio de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, o acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente afastado do convívio familiar. 
§ 1º  A inclusão da criança ou adolescente em programas de acolhimento familiar terá preferência a seu acolhimento institucional, observado, em qualquer caso, o caráter temporário e excepcional da medida, nos termos desta Lei. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)  Vigência
§ 2º  Na hipótese do § 1o deste artigo a pessoa ou casal cadastrado no programa de acolhimento familiar poderá receber a criança ou adolescente mediante guarda, observado o disposto nos arts. 28 a 33 desta Lei.

De mais a mais, a Lei n. 8.069/90 dispõe, especificamente, ser a inclusão em programa de acolhimento familiar uma medida de proteção (art. 101, inciso VIII).

Aliás, além do aparato legal acima mencionado, o Ministério do Desenvolvimento Social define o acolhimento familiar como um serviço de proteção social de alta complexidade e o conceitua como:

"O Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora organiza o acolhimento de crianças e adolescentes, afastados da família por medida de proteção, em residência de famílias acolhedoras cadastradas. É previsto até que seja possível o retorno à família de origem ou, na sua impossibilidade, o encaminhamento para adoção. O serviço é o responsável por selecionar, capacitar, cadastrar e acompanhar as famílias acolhedoras bem como realizar o acompanhamento da criança e/ou adolescente acolhido e sua família de origem.
O serviço deverá ser organizado segundo os princípios, diretrizes e orientações do Estatuto da Criança e do Adolescente e do documento “Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes”, sobretudo no que se refere à preservação e à reconstrução do vínculo com a família de origem, assim como à manutenção de crianças e adolescentes com vínculos de parentesco ( irmãos, primos etc.) numa mesma família. O atendimento também deve envolver o acompanhamento às famílias de origem, com vistas à reintegração familiar.
O serviço é particularmente adequado ao atendimento de crianças e adolescentes cuja avaliação da equipe técnica indique possibilidade de retorno à família de origem.
Os objetivos deste serviço são:
- Promover o acolhimento familiar de crianças e adolescentes afastadas temporariamente de sua família de origem.
- Acolher e dispensar cuidados individualizados em ambiente familiar;
- Preservar vínculos com a família de origem, salvo determinação judicial em contrário;
- Possibilitar a convivência comunitária e o acesso à rede de políticas públicas;
- Apoiar o retorno da criança e do adolescente à família de origem" (< http://www.mds.gov.br/falemds/perguntas-frequentes/assistencia-social/pse-protecao-social-especial/servicos-de-alta-complexidade/servico-de-acolhimento-em-familia-acolhedora>).

Como se isso não bastasse, sobre o assunto a doutrina pátria leciona que:

"A experiência tem demonstrado que a convivência familiar, ainda que no seio de uma família substituta, apresenta vantagens que se sobrepõem – psicológica, moral e economicamente – às soluções buscadas por via de internação em estabelecimentos governamentais e não governamentais, na formação ou recuperação dos menores carentes" (CURY, Munir, et. al. Estatuto da criança e do adolescente comentado. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 177) (grifo nosso).

Corrobora:

"Nada substitui o carinho que a convivência familiar propicia, principalmente por estarmos falando de pessoas em desenvolvimento, cuja condição peculiar exige uma atenção especial encontrada, primordialmente, no interior de uma família" (VERONESE, Josiane Rose Petry, et al. Estatuto da criança e do adolescente comentado. São Paulo: Conceito Editorial, 2011. p. 98) (grifou-se).

Para arrematar:

"Entende-se por acolhimento familiar o encaminhamento, pela autoridade judiciária, de determinada criança ou adolescente, à entidade que desenvolve programa homônimo, mediante a concessão de guarda provisória a casal previamente cadastrado, em razão do abandono, ou após a constatação de que a manutenção na família de origem não é a alternativa mais apropriada ao seu cuidado e à sua proteção.
É medida que surge como opção ao acolhimento em instituição, devendo preferi-la, quando da decisão de afastamento da criança ou do adolescente do convívio com a família" (Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel. Et al. Curso de direito da criança e do adolescente. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 657) (sem grifo no original). 

Assim, como em Palhoça não há Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora e, consequentemente, não se pode aplicar essa importante medida de proteção, o acolhimento institucional deixa de ser uma opção e vira uma obrigatoriedade, o que vai de encontro à Lei Maior, ao Estatuto da Criança e do Adolescente e às diretrizes e orientações da Assistência Social vigentes.

Logo, é necessário ser implantado o programa de acolhimento familiar nesta urbe, para que os direitos das crianças e dos adolescentes palhocenses sejam preservados em sua plenitude, a fim de evitar a histórica institucionalização.

Ante o exposto, deve o executado ser compelido a implementar esse serviço de família acolhedora em prol dos infantes palhocenses, o que certamente vai garantir a convivência familiar em favor das crianças e dos adolescentes em situação de vulnerabilidade, possibilitando para o sistema de garantias de Palhoça mais uma importante opção de medida de proteção (Acolhimento em Família Acolhedora). 
  
V - DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS REFERENTES À EXECUÇÃO E À APLICAÇÃO DA MULTA PESSOAL:

Infere-se da literalidade do artigo 585, inciso VIII, do Código de Processo Civil que:

Art. 585.  São títulos executivos extrajudiciais: (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
[...]
VIII - todos os demais títulos a que, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva.

Nesse diapasão, a Lei n. 7.347/1985, que disciplina a ação civil pública, estabelece que os compromissos de ajustamento de condutas possuem eficácia de título executivo extrajudicial, senão veja-se:

Art. 5º  Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007).
I - o Ministério Público; (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007).
[...]
§ 6° Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.

 Acerca da natureza jurídica do compromisso de ajustamento de conduta, Hugo Nigro Mazzilli leciona que:

"O compromisso de ajustamento de conduta é um título executivo extrajudicial, por meio do qual um órgão público legitimado toma do causador do dano o compromisso de adequar sua conduta às exigências da lei [...] o compromisso de ajustamento de conduta gera um título executivo em favor do grupo lesado, e não em favor do órgão público que o toma. Assim, se necessário, poderá ser executado por qualquer colegitimado à ação civil pública ou coletiva". (A defesa dos interesses difusos em juízo. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 422/423) (sem grifo no original). 
Assim, uma vez verificada a inadimplência, haja vista o não cumprimento do ajuste (TAC) no prazo estipulado, o Ministério Público pode requerer a execução desse título executivo extrajudicial.

Nesse sentido, é a judiciosa jurisprudência:

ADMINISTRATIVO - TERMO DE COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA - DESCUMPRIMENTO - MINISTÉRIO PÚBLICO - AJUIZAMENTO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL - POSSIBILIDADE - EXEGESE DO § 6º DO ART. 5º DA LEI N. 7.347/85
O compromisso de ajustamento de conduta possui eficácia executiva, a teor do disposto no § 6º do art. 5º da Lei n. 7.347/85 e no inc. VIII do art. 585 do Código de Processo Civil. Logo, o descumprimento da obrigação nele contida enseja a propositura de execução por quantia certa no tocante à multa cominatória, não descartada a execução específica da obrigação de fazer ou não fazer. (TJSC - Processo: 2010.012856-7 (Acórdão). Órgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Público. Data: 03/08/2010) (grifou-se).

Sobre isso, o artigo 566, inciso II, do Código de Processo Civil dispõe que:

Art. 566.  Podem promover a execução forçada:
I - o credor a quem a lei confere título executivo;
II - o Ministério Público, nos casos prescritos em lei.

Portanto, presente o título executivo extrajudicial e demonstrada a inadimplência do executado, que não comprovou o cumprimento de seu dever jurídico, o ajuizamento deste feito é medida que se impõe.

Registre-se que o ajustamento de condutas do caso em tela criou uma série de obrigações de fazer, cuja execução, na forma do Código de Processo Civil, dar-se-á de acordo com o artigo 632 e seguintes, dada a natureza personalíssima da obrigação.

Assevera o artigo 632 do Código mencionado que:

Art. 632.  Quando o objeto da execução for obrigação de fazer, o devedor será citado para satisfazê-la no prazo que o juiz Ihe assinar, se outro não estiver determinado no título executivo.

A legislação pátria estabelece, no que se refere à assunção de obrigações de fazer e não fazer, diante da característica personalíssima da obrigação, a possibilidade (e até mesmo a necessidade) de fixação de mecanismos capazes de promover o célere adimplemento do ajuste.

Dentre os meios de coerção juridicamente admitidos encontra-se a fixação de multa, no escopo de impor ao devedor da obrigação ônus cada vez mais acentuados, no caso de inadimplemento, como forma de desencorajar a mora. A fixação da multa tem o condão de incutir na pessoa do devedor a noção de necessidade de imediato cumprimento daquilo que foi celebrado.

O título executivo extrajudicial em comento prevê a fixação de multa pecuniária, para o executado, em caso de inadimplemento, no valor mensal de R$ 10.000,00 (dez mil reais), valor que deve ser alterado, já que, vigente a penalidade, desde a formação do título, o executado não se viu compelido a cumprir a sua obrigação.

Assim, o Ministério Público reputa ser imprescindível a fixação de multa diária, agora pessoal, no valor de R$ 1.000,00 (mil reais) a ser revertida em benefício do Fundo Municipal da Infância e Adolescência de Palhoça (FIA), enquanto não demonstrado o cumprimento integral das obrigações.

No que se refere aos valores devidos da incidência pretérita da multa pactuada, o Ministério Público proporá, em procedimento autônomo, a ação própria.

Dessa forma, no intuito de garantir o cumprimento da prestação positiva (obrigação de fazer), deve ser fixada multa por dia de atraso no cumprimento da obrigação, nos moldes do artigo 645 do Código de Processo Civil: 

Art. 645. Na execução de obrigação de fazer ou não fazer, fundada em título extrajudicial, o juiz, ao despachar a inicial, fixará multa por dia de atraso no cumprimento da obrigação e a data a partir da qual será devida.

Ademais, sabe-se que o agente do Município atua em nome do ente público e é diretamente responsável pela administração.

É sabido também que o Município em si não possui vida, uma vez que é dirigido por gestores.

Assim, o Município de Palhoça possui comandantes que assumem a responsabilidade, no período do mandato, de administrar nos termos das leis e de respeitar eventual decisão judicial prolatada em desfavor do ente público. 

Todavia, não raras vezes aquele que ocupa o cargo público, mesmo conhecedor da existência de multa fixada contra o ente público para o caso de descumprimento de decisão judicial, age com irresponsável descaso, pois sabe que os valores sairão dos cofres públicos, ou seja, recai sobre os cidadãos, já que o administrador público não se sensibiliza com o prejuízo e continua a agir ilegalmente.

A imposição de multa para pagamento pela Fazenda Pública é medida legal, que visa ao cumprimento da decisão. Contudo, como o valor da multa não é suportado pelo agente público, esta circunstância tem gerado o desrespeito das decisões judiciais, além de duplo prejuízo para a população: primeiro porque o agente público não cumpre com suas obrigações; segundo porque o pagamento da multa é feito com dinheiro público.

Diante do descaso referido, o legislador pretendendo dar plena efetividade aos provimentos judiciais relativos às obrigações de fazer, fez constar nos § 5º e 6º do artigo 461 do Código de Processo Civil que:

Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.  (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 1994)
[...]
§ 5º Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial. 
§ 6º O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva.

A partir daí novo entendimento doutrinário e jurisprudencial tem sido aplicado e tem permitido melhores resultados, com maior respeito às decisões proferidas.

Inúmeras decisões continuam a fixar a multa, com a diferença de que esta deve ser suportada pelo próprio agente público, pois é totalmente descabido ver a multa recair sobre a pessoa jurídica, quando esta depende da manifestação de vontade da pessoa física que exerce a função pública.

Nesse sentido, necessário se faz mencionar o entendimento de Luiz Guilherme Marioni, que leciona:

“Se a pessoa jurídica exterioriza a sua vontade por meio da autoridade pública, é lógico que a multa somente pode lograr o seu objetivo se for imposta diretamente a agente capaz de dar atendimento à decisão jurisdicional”.
"Não há procedência no argumento de que a autoridade pública não pode ser obrigada a pagar a multa derivada de ação em que foi parte apenas a pessoa jurídica. É que essa multa somente poderá ser imposta se a autoridade pública, que exterioriza a vontade da pessoa jurídica, não der atendimento à decisão. Note-se que a multa somente pode ser exigida da própria autoridade que tinha capacidade para atender à decisão – e não a cumpriu. A tese que sustenta que a multa não pode recair sobre a autoridade somente poderia ser aceita se partisse da premissa – completamente absurda – de que o Poder Público pode descumprir decisão jurisdicional em nome do interesse público." (Técnica Processual e Tutela dos Direitos, São Paulo: RT, 2004, p. 661-662)

Aliás, Ada Pelegrini Grinover, explicando o acima exposto, prescreve o significado do “Contempt of Court”:

“a prática de qualquer ato que tenda a ofender um juiz ou tribunal na administração da justiça, ou a diminuir sua autoridade ou dignidade, incluindo a desobediência a uma ordem” (GRINOVER, Ada Pelegrini, Abuso do processo e resistência às ordens judiciárias: o contempt of court, Marcha, pp 62/69, especialmente, p. 68, ano 2000).

Portanto, objetivando a credibilidade do Poder Judiciário, do Ministério Público e do próprio termo de compromisso de ajustamento de conduta, este instituto deve ser aplicado nesse caso.

Acerca da aplicação da multa em desfavor do gestor, o egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina assim decidiu:

APELAÇÃO CÍVEL EM EMBARGOS À EXECUÇÃO. AÇÃO EXECUTIVA FUNDADA EM TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA FIRMADO ENTRE O MINISTÉRIO PÚBLICO E A MUNICIPALIDADE, REPRESENTADA, NO ATO, PELO PREFEITO. OBRIGAÇÃO CONSISTENTE EM CONSTRUIR NOVO ATERRO SANITÁRIO E RECUPERAR A ÁREA DEGRADADA. DESCUMPRIMENTO DO ACORDO. EXECUÇÃO DA MULTA COMINATÓRIA. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE DE PARTE. AÇÃO VOLTADA CONTRA A PESSOA FÍSICA DO EX-PREFEITO. CLÁUSULA DE RESPONSABILIDADE PESSOAL. VALIDADE. ANUÊNCIA DE TODAS AS CLÁUSULAS INSERTAS NO TAC. ALEGAÇÃO, OUTROSSIM, DE PRELIMINAR DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. NATUREZA JURÍDICA DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. EXEGESE DO ART. 5º, § 6º, DA LEI 7.347/85. PRELIMINARES AFASTADAS. ALEGAÇÃO, NO MÉRITO, DE DIFICULDADES FINANCEIRAS DO MUNICÍPIO, COM INCLUSÃO DO PROJETO NA PREVISÃO ORÇAMENTÁRIA DO EXERCÍCIO FINANCEIRO SEGUINTE, PORÉM NÃO CUMPRIDA PELA GESTÃO ULTERIOR. FATO IRRELEVANTE. CONHECIMENTO DA SITUAÇÃO FINANCEIRA NA ÉPOCA DO COMPROMISSO. DESCUMPRIMENTO VOLUNTÁRIO DO ACORDO VERIFICADO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. 
Conquanto os efeitos jurídicos da obrigação assumida por representante do Poder Público são a este imputados, mostra-se imprópria a alegação de ilegitimidade de parte quando consta no termo de ajustamento de conduta cláusula de responsabilidade pessoal da pessoa natural na eventualidade de descumprimento da obrigação assumida. "A responsabilidade da multa cominatória pelo descumprimento da tutela judicial, autorizada pelo CPC (art. 461, § 2º), recai sobre a pessoa do agente público e não sobre o ente público. (TJSC: Agr.Instr. n. 2002.021115-5, rel. Desembargador Newton Janke, Primeira Câmara de Direito Público, 13 [...] (Processo: 2006.003282-3 (Acórdão). Órgão Julgador: Segunda Câmara de Direito Público. Data: 29/08/2008. Classe: Apelação Cível). 

É essencial aqui a responsabilização pessoal dos gestores, pela omissão, porque o problema relacionado a ausência de Serviço de Família Acolhedora está trazendo inúmeros prejuízos, dia a dia, aos infantes palhocenses, que deixam de ter o direito de usufruir dessa importante medida de proteção do acolhimento familiar.

Assim, como forma de dar efetividade ao provimento jurisdicional, requer o Ministério Público que ao ser cominada multa diária ao Município de Palhoça, seja esta cobrada pessoalmente do Prefeito Municipal (50% da multa imposta) e do Vice-Prefeito e Secretário Municipal de Assistência Social de Palhoça (50% da multa aplicada), diretamente de suas folhas de pagamento, para o caso de não cumprimento das cláusulas do ajuste do vertente caso, medida coercitiva esta que pode ser agravada ou alterada, se houver novo descumprimento, nos  moldes do artigo 461, § 5º e § 6º do Código de Processo Civil.

Desse modo, a medida postulada anteriormente tem o condão de garantir a efetividade do provimento jurisdicional.


VI – DOS PEDIDOS:

Ante todo o exposto, este Órgão de Execução do Ministério Público requer, com URGÊNCIA:

1. O recebimento e a procedência desta ação executiva;

2. Que seja liminarmente fixado o prazo de 30 (trinta) dias para que o Município executado seja obrigado a:  

1 – Implementar o Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora no âmbito da rede de proteção do município de Palhoça, de acordo com o documento denominado Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes, que serve de base deste acordo extrajudicial;

2 – Tomar todas as providências necessárias para que esse  Serviço organize o acolhimento, em residências de famílias acolhedoras cadastradas, de crianças e adolescentes afastados do convívio familiar por meio de medida protetiva, em função de abandono ou cujas famílias ou responsáveis encontrem-se temporariamente impossibilitados de cumprir sua função de cuidado e proteção, até que seja viabilizado o retorno com a família de origem ou, na sua impossibilidade, encaminhamento para adoção.

3 – Que o público alvo do Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora sejam crianças e adolescentes de 0 a 18 anos que receberem a medida protetiva descrita no artigo 101 inciso VIII do Estatuto da Criança e do Adolescente; 

4 -   Cada família acolhedora deverá acolher uma criança por vez, com exceção das hipóteses de grupos de irmãos, quando então o número de um poderá ser ampliado;

5 – As famílias acolhedoras serão capacitadas, orientadas e permanentemente acompanhadas pela equipe técnica do Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora, que terá a incumbência de selecionar as famílias aptas a acolher crianças e adolescentes;

6 – O acolhimento em família acolhedora previamente cadastrada será efetivado por meio de expedição de termo de guarda provisória, que será sugerido e solicitado pela equipe técnica do programa ao Juízo da Infância e da Juventude de Palhoça  

7 – A manutenção da guarda provisória, que não se confunde com a adoção, deverá sempre estar vinculada à manutenção da família no programa, o que sempre deverá ser fiscalizado por sua equipe técnica;

8 – Para o correto funcionamento do Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora, deverão ser tomadas ainda as seguintes providências: 

A) ampla divulgação sobre os objetivos e sobre a operacionalização do Serviço; 

B) acolhida e avaliação inicial das famílias interessadas por equipe multidisciplinar qualificada; 

C) avaliação documental dos pretendentes (RG, CPF, comprovante de residência, comprovante de rendimentos, certidão negativa de antecedentes criminais, atestado de saúde física e mental) 

D) seleção, após a realização de minucioso estudo psicossocial;

E) capacitação das famílias selecionadas;

F) cadastramento e 

G) acompanhamento. 

9 – a equipe técnica do Serviço terá a incumbência de efetuar a preparação e o acompanhamento psicossocial da criança/adolescente, da família acolhedora, da família de origem e da rede social de apoio.

10 – o desligamento do programa só ocorrerá quando for avaliado pela equipe técnica, em conjunto com o Ministério Público, com o Poder Judiciário e com a rede de proteção envolvida, a possibilidade de retorno familiar, a necessidade de acolhimento em outro espaço de proteção ou o encaminhamento para adoção;

11 – Como recursos humanos, o Serviço de Acolhimento em Família acolhedora deverá ter no mínimo os seguintes integrantes:

COORDENADOR
Perfil
- Formação mínima: Nível superior e experiência em função congênere
- Amplo conhecimento da rede de proteção à infância e juventude, de políticas públicas e da rede de serviços da cidade e região
Quantidade- 1 profissional por serviço
Principais atividades desenvolvidas
- Gestão e supervisão do funcionamento do serviço
- Organização da divulgação do serviço e mobilização das famílias acolhedoras
- Organização da seleção e contratação de pessoal e supervisão dos trabalhos desenvolvidos
- Organização das informações das crianças e adolescentes e respectivas famílias
- Articulação com a rede de serviços
- Articulação com o Sistema de Garantia de Direitos 
                                             
EQUIPE TÉCNICA
Perfil
- Formação Mínima: Nível superior
- Experiência no atendimento a crianças, adolescentes e famílias em situação de risco 
Quantidade
- um psicólogo e um assistente social (de acordo com a NOB-RH/SUAS) para o acompanhamento de até quinze famílias de origem e quinze famílias acolhedoras
- Carga horária mínima indicada – 30 horas semanais
- Necessidade de flexibilidade nos horários dos profissionais 
Principais atividades desenvolvidas
- Acolhida, avaliação, seleção, capacitação, acompanhamento, desligamento e supervisão das famílias acolhedoras
- Articulação com a rede de serviços e Sistema de Garantia de Direitos
- Preparação e acompanhamento psicossocial das famílias de origem, com vistas à reintegração familiar
- Acompanhamento das crianças e adolescentes
- Organização das informações de cada caso atendido, na forma de prontuário individual
- Encaminhamento e discussão, planejamento conjunto com outros atores da rede de serviços e do Sistema de Garantia de Direitos das intervenções necessárias ao acompanhamento das crianças e adolescentes e suas famílias
- Elaboração, encaminhamento e discussão com a autoridade judiciária e Ministério Público de relatórios, com frequência bimestral ou semestral, sobre a situação de cada criança e adolescente apontando: 1) possibilidades de reintegração familiar, 2) necessidade de aplicação de novas medidas, 2) quando esgotados os recursos de manutenção na família de origem, a necessidade de encaminhamento para adoção 

12 – Como infra-estrutura, o Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora deverá ter no mínimo os seguintes espaços que deverão funcionar em área específica para atividades técnico-administrativas:

CômodoCaracterísticasSala para equipe técnica - Com espaço e mobiliário suficiente para desenvolvimento de atividades de natureza técnica (elaboração de relatórios, atendimento, reuniões, etc.) com independência e separação de outras atividades e/ou programas que a instituição desenvolva.Sala de coordenação/atividades administrativas- Com espaço e mobiliário suficiente para desenvolvimento de atividades administrativas (área documental, contábil, financeira, etc.,)
- O espaço administrativo deve ter área reservada para guarda de prontuários das crianças e adolescentes, em condições de segurança e sigilo  
Sala de atendimento- Com espaço e mobiliário suficiente para atendimento individual ou familiar e condições que garantam privacidadeSala/espaço para reuniõesCom espaço e mobiliário suficiente para a realização de reuniões de equipe e de atividades em grupo
13 – Disponibilizar meio de transporte que possibilite a realização de visitas domiciliares e reuniões com os demais atores do Sistema de Garantia de Direitos e da Rede de Serviços.

4. Que seja fixada multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), a ser cobrada pessoalmente do Prefeito Camilo Nazareno Pagani Martins (50% da multa imposta) e do Vice-Prefeito e Secretário Municipal de Assistência Social de Palhoça Nilson João Espíndola (50% da multa aplicada), diretamente de suas folhas de pagamento, a ser revertida em benefício do Fundo Municipal da Infância e Adolescência de Palhoça (FIA), para o caso de não cumprimento integral das cláusulas do ajuste do vertente caso, no prazo acima assinalado, com fulcro no artigo 645 do Código de Processo Civil;

5. A citação do Município executado, na pessoa de seu representante legal, para que cumpra a obrigação de fazer que assumiu no título executivo extrajudicial (Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta), nos termos do artigo 632 do Código de Processo Civil;

6. A notificação pessoal do Prefeito e do Secretário Municipal de Assistência Social, ambos de Palhoça/SC;

7. que sejam determinadas as medidas judiciais necessárias, para a efetiva obtenção do resultado prático da presente execução, nos moldes do § 5º do artigo 461 do Código de Processo Civil; 

8.  ao final, seja o Município executado impelido a demonstrar o integral cumprimento das obrigações pactuadas no ajuste de condutas.

Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais).

Palhoça, 31 de março de 2014.

Aurélio Giacomelli da Silva
Promotor de Justiça