Equipe:


Aurélio Giacomelli da Silva - Promotor de Justiça

Letícia Titon Figueira - Assistente de Promotoria

Ana Paula Rodrigues Steimbach - Assistente de Promotoria

Mallu Nunes - Estagiária de Direito

Giovana Lanznaster Cajueiro - Telefonista

Mário Jacinto de Morais Neto - Estagiário de Ensino Médio




sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Escola Estadual Itaty - Irregularidades constatadas pelo Corpo de Bombeiros e pela Vigilância Sanitária - Ajuizada Ação Civil Pública, com pedido liminar para que as irregularidades sejam sanadas, sob pena de cominação de multa pessoal.



EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAMÍLIA, ÓRFÃOS, SUCESSÕES, INFÂNCIA E JUVENTUDE DE PALHOÇA/SC   

URGENTE

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA, por intermédio de seu Órgão de Execução, com fundamento nos artigos 6º, 127, caput, 129, incisos II e III, 205, 206, inciso VII, e 227, todos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988; nos artigos 3º, 4º, 53, 148, inciso IV, 201, incisos V e VIII, 209, 210, inciso I, e 213, todos da Lei n. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente); na Lei n. 9.394/96 e demais dispositivos pertinentes, vem propor a presente


AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM PEDIDO DE LIMINAR,


em desfavor do ESTADO DE SANTA CATARINA, pessoa jurídica de direito público, representado pela Procuradoria Geral do Estado, nos termos do artigo 12, inciso I, do Código de Processo Civil, com sede na Avenida Osmar Cunha, n. 220, CEP.: 88.015-100, Centro, Florianópolis/SC, pelas razões de fato e de direito que passa a expor:


I – DOS FATOS

Este Órgão de Execução do Ministério Público instaurou o Inquérito Civil n. 06.2013.00012609-2, a fim de apurar eventuais irregularidades na Escola Estadual Itaty, localizada neste Município de Palhoça/SC (Portaria - fls. 2/3).

No escopo de elucidar os fatos, foram requisitadas vistorias ao Corpo de Bombeiros Militar de Palhoça e à Vigilância Sanitária, ocasião em que aportou neste feito o Ofício n. 159 – 2ª / 10º BBM, oriundo do Corpo de Bombeiros Militar de Palhoça, informando, em síntese, que a unidade de ensino do vertente caso encontra-se em situação irregular por não possuir nenhuma documentação junto ao Corpo de Bombeiros (fls. 13/15).

Na sequência, após diversas concessões de prazo para a Vigilância Sanitária de Palhoça, juntou-se neste feito o Ofício n. 55/2015, com o relatório da inspeção realizada no dia 9 de junho de 2015 na Escola Estadual, sendo enumerados 35 (trinta e cinco) itens para regularizar a situação da unidade escolar:

1. Providenciar telas milimétricas nas portas e janelas da cozinha impedindo a entrada de vetores: prazo 30 dias;
2. Revestir o piso da cozinha com material liso, lavável, impermeável e íntegro: prazo 180 dias;
3. Revestir as paredes da cozinha com material liso, lavável, impermeável e íntegro: prazo 180 dias;
4. Instalar ralo no piso da cozinha: prazo 180 dias;
5. Revestir internamente armários inferiores da cozinha: prazo 180 dias;
6. Instalar prateleiras no depósito de alimentos de material liso, resistente, impermeável e lavável, à 30 cm do piso: prazo 90 dias;
7. Manter o fogão em perfeito estado de conservação, livre de ferrugem: prazo 30 dias;
8. Instalar exaustor sobre o fogão da cozinha: prazo 30 dias;
9. Instalar lavatório exclusivo para as mãos dos manipuladores de alimentos na cozinha, com sabonete líquido anti-séptico e toalhas de papel não reciclado: prazo 90 dias; 
10. Disponibilizar lixeira com tampa e acionada sem contato manual na cozinha: prazo 30 dias;
11. Providenciar utensílios (panelas e bandejas) íntegros livres de amassados e manchas: prazo 30 dias;
12. Disponibilizar local exclusivo para guarda de material e equipamentos de limpeza, saneantes e de higiene: prazo 180 dias;
13. Disponibilizar a adaptação de todo o estabelecimento para atendimento aos alunos portadores de necessidades especiais: prazo 180 dias;
14. Eliminar toda a fiação elétrica exposta em todo o estabelecimento de ensino: prazo 90 dias;
15. Disponibilizar lixeiras com saco coletor e tampa nos pátios: prazo 30 dias;
16. Disponibilizar depósito de resíduos junto ao alinhamento frontal, não obstruindo o passeio público: prazo 30 dias;
17. Disponibilizar área de lazer coberta com, no mínimo, 30m²: prazo 180 dias;
18. Disponibilizar área de lazer descoberta com, no mínimo, 50m²: prazo 180 dias;
19. Disponibilizar muros e portões íntegros com altura suficiente que impeça o acesso de cães nos pátios do estabelecimento: prazo 180 dias;
20. Manter corrimões e guarda corpos íntegros e firmes: prazo 180 dias;
21. Providenciar a limpeza dos pátios eliminando vegetação alta e materiais estranhos à atividade escolar: prazo 30 dias;
22. Pintura geral das paredes internas, externas e muros de todo o estabelecimento com tinta de cor clara e fosca: prazo 180 dias;
23. Eliminar goteiras em todos os ambientes do estabelecimento: prazo 180 dias;
24. Providenciar carteiras e cadeiras adequadas ergonomicamente aos alunos, íntegras e em número suficiente: prazo 90 dias;
25. Providenciar armários para guarda de material escolar em número suficiente nas salas de aula: prazo 90 dias;
26. Instalar porta papel toalha, saboneteira líquida e lixeiras com tampa de acionamento sem contato manual nos banheiros: prazo 90 dias;
27. Disponibilizar caixa d'água e cisterna íntegras e em funcionamento: prazo 90 dias;
28. Dispor de bancos e mesas íntegros na área do refeitório: prazo 90 dias;
29. Disponibilizar bebedouros íntegras e em funcionamento, no mínimo 1 bebedouro para cada 50 alunos: prazo 90 dias;
30. Instalar mictório no banheiro masculino: prazo 90 dias;
31. Disponibilizar 1 chuveiro para cada 5 alunos na prática de educação física: prazo 90 dias;
32. Providenciar Certificado de curso de manipulação das merendeiras: prazo 90 dias;
33. Providenciar Certificado de Limpeza e Desinfecção da Caixa D'água e Cisterna: prazo 90 dias;
34. Providenciar Certificado de Desratização e Desinsetização: prazo 30 dias;
35. Providenciar o Alvará Sanitário: prazo 180 dias.
É o relatório, sucinto.

Destarte, das várias irregularidades apontadas acima, percebe-se o evidente descaso do Estado demandado no que se refere à educação das crianças e dos adolescentes residentes nesta Comarca, haja vista estar fornecendo educação em prédio com estrutura que não atende as normas técnicas do Corpo de Bombeiros Militar e da Vigilância Sanitária, cuja regularização precisa ocorrer em prazo exíguo, sob pena de se suspender as aulas e de prejudicar ainda mais o ano letivo das crianças e dos adolescentes desta urbe, que dia a dia estão expostos a situação de risco em instalação sucateada e irregular.

Sobreleva ressaltar que o Estado de Santa Catarina, ao não fornecer estrutura adequada no Colégio acima mencionado, está prejudicando a vida dessas pessoas em desenvolvimento.

Dessa forma, em razão da urgente necessidade de se fazer cessar a violação do direito fundamental à educação, este Órgão de Execução não tem outra alternativa senão a de buscar a tutela jurisdicional para salvaguardar os interesses dos estudantes residentes em Palhoça e que necessitam de educação de qualidade em ambiente adequado e seguro.

É oportuno destacar que são estas crianças e adolescentes que a própria Constituição Federal denomina "sujeito de direitos". São eles a "prioridade absoluta constitucional", que estão sendo vítimas da omissão do Estado demandado.

Assim sendo, é irrefutável que o Estado de Santa Catarina deve reformar o estabelecimento educacional deste caso, a fim de promover um ambiente propício de educação apto a amparar estas pessoas que são o futuro da nação.

Por tais razões, para que a desídia e a omissão não prosperem, não restam alternativas senão a de buscar a tutela jurisdicional, com o intuito de fazer valer os ditames constitucionais e infraconstitucionais, obrigando o Estado de Santa Catarina a prestar ensino de qualidade aos estudantes palhocenses que frequentam a Escola Estadual Itaty.


II - DO DIREITO

A Constituição da República Federativa de 1988 estabelece em seu art. 6º que:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Ademais, a fim de promover a educação, a Lei Maior assevera que:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. 

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
[...]
VII - garantia de padrão de qualidade.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Nesse sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente afirma:

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. 

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. 
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
[...]
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; 
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.

Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho [...].

Aliás, a Lei n. 9.394/96 (Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional) dispõe que:

Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
[...]
IX - garantia de padrão de qualidade;

Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de:
[...]
IX - padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem.

Logo, denota-se que o Brasil possui uma avançada legislação relacionada às crianças, aos adolescentes e à educação, pois existem os princípios da proteção integral e da prioridade absoluta, mas que, em situações como a do vertente caso são lamentavelmente menosprezados.

E, acerca da legislação acima citada, insta transcrever o entendimento de Válter Kenji Ishida:

Pode-se falar conforme acima aludido na existência da doutrina da proteção integral. Para assegurar a mesma, formularam-se princípios menoristas, destacando-se o da prioridade absoluta, o do melhor interesse [...] o princípio da prioridade absoluta possui o status constitucional, com a previsão no art. 227 da Carta Magna. A prioridade absoluta significa primazia, destaque em todas as esferas de interesse, incluindo a esfera judicial, extrajudicial ou administrativa. (Estatuto da Criança e do Adolescente. 12. Ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 6/7 – grifou-se).

Ademais, no que se refere ao direito à educação, previsto na Magna Carta e no Estatuto da Criança e do Adolescente, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel, et al, aduz:

Conceitua-se a educação como sendo o processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral da criança e do ser humano em geral, visando à sua melhor integração individual e social. 
O processo educacional visa a integral formação da criança e do adolescente, buscando seu desenvolvimento, seu preparo para o pleno exercício da cidadania e para ingresso no mercado de trabalho (art. 205, CF).
É direito fundamental que permite a instrumentalização dos demais, pois sem conhecimento não há o implemento universal dos direitos fundamentais. A ignorância leva a uma passividade generalizada que impede questionamentos, assegura a manutenção de velhos sistemas violadores das normas que valorizam o ser humano e impede o crescimento do ser humano e o consequente amadurecimento da nação.  (Curso de Direito da Criança e do Adolescente. 4. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2010. p. 49 – grifou-se).

Nesse diapasão, no tocante à educação, é a judiciosa jurisprudência:

ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA MOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA OBRIGAR O ESTADO A REALIZAR OBRAS EMERGENCIAIS DE REFORMA EM PRÉDIO DE ESCOLA PARA REFORÇAR A SEGURANÇA E ELIMINAR RISCOS PARA OS ALUNOS E DEMAIS USUÁRIOS A SEREM ABRIGADOS PROVISORIAMENTE EM OUTRO LOCAL - OBRIGAÇÃO CONSTITUCIONAL - PRECARIEDADE DAS INSTALAÇÕES E URGÊNCIA NA REPARAÇÃO - POSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO DO JUDICIÁRIO - AUSÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES - MULTA EM VALOR ADEQUADO - CONSTRUÇÃO DE ÁREA COBERTA PARA EDUCAÇÃO FÍSICA - UTILIDADE NÃO EMERGENCIAL - DISCRICIONARIEDADE DA ADMINISTRAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO JUDICIAL NESSA PARTE - RECURSO E REMESSA OFICIAL PARCIALMENTE PROVIDOS. Não ofende o princípio da separação dos poderes a intervenção judicial para compelir os órgãos da administração a cumprir a obrigação constitucional e legal de realizar obras de reforma em prédio de escola estadual, em razão da precariedade das instalações, para reforçar a segurança, eliminar os riscos para alunos e demais usuários e propiciar adequado espaço físico para o desenvolvimento do ensino público de qualidade [...] (TJSC. Apelação n. 2013.005627-2. Relator Des. Jaime Ramos. Quarta Câmara de Direito Público. DJ 23/05/2013 – grifou-se).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. NECESSIDADE DE REFORMA E DE MANUTENÇÃO DE ESCOLA ESTADUAL DE EDUCAÇÃO BÁSICA SITUADA NO MUNICÍPIO DE GUARACIABA. IRRESIGNAÇÃO QUANTO A TEMA NÃO DEBATIDO NA DECISÃO OBJURGADA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO ORÇAMENTÁRIA E OFENSA À RESERVA DO POSSÍVEL. INVIABILIDADE DA ANÁLISE SOB PENA DE OCORRER SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. [...] AFASTAMENTO DA TESE DE IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE LIMINAR SEM A OITIVA DO REPRESENTANTE DO ENTE FEDERADO. ESPECIFICIDADES DO CASO VERTENTE QUE POSSIBILITAM TAL MEDIDA. VEDAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO A ANALISAR A QUESTÃO, SOB PENA DE ADENTRAR EM COMPETÊNCIA RESERVADA AO EXECUTIVO. ARGUMENTO RECHAÇADO. OMISSÃO ESTATAL EM DESCONFORMIDADE COM DIREITOS ENCARTADOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ESTADUAL, ASSIM COMO NA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. EDUCANDÁRIO NÃO ADEQUADO ÀS NORMAS DE SEGURANÇA CONTRA INCÊNDIO. SITUAÇÃO QUE PÕE EM RISCO A INTEGRIDADE FÍSICA DE ALUNOS, PROFESSORES, FUNCIONÁRIOS E FREQUENTADORES. LAUDO DO CORPO DE BOMBEIROS MILITAR A ATESTAR VÁRIAS IRREGULARIDADES. REQUISITOS PRESENTES PARA A CONCESSÃO DA LIMINAR. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NESTA, PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC. Agravo de Instrumento n. 2014.000792-8, de São Miguel do Oeste. Rel. Des. Jorge Luiz de Borba. DJ 26/08/2014 – grifou-se). 

APELAÇÃO CÍVEL DO ESTADO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA MOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA OBRIGAR O ESTADO A REALIZAR OBRAS EMERGENCIAIS DE REFORMA EM PRÉDIO DE ESCOLA VISANDO REFORÇAR A SEGURANÇA E CONSTRUIR NOVAS INSTALAÇÕES PARA INSTITUIÇÃO DE ENSINO. PRECARIEDADE DAS INSTALAÇÕES E URGÊNCIA NA REPARAÇÃO. POSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO DO JUDICIÁRIO. AUSÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (TJSC. Apelação Cível n. 2012.003971-6, da Capital. Rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz. DJ 29/04/2014 – grifou-se).

Deste modo, é dever e obrigação do Estado de Santa Catarina cumprir os direitos fundamentais dos estudantes palhocenses. 

E não se alegue que o estabelecimento de políticas sociais derivadas de normas programáticas situa-se no âmbito do poder discricionário do administrador público, sendo vedado ao Poder Judiciário interferir nos critérios de conveniência e oportunidade.

A atuação do Poder Judiciário nestes casos não interfere de modo algum na independência dos poderes, levando-se em conta a questão dos direitos fundamentais relacionados à criança e ao adolescente.

Ademais, sabe-se que, na ocorrência de omissão por parte do Poder Público no cumprimento de norma constitucional elevada à categoria de norma fundamental, compete sim ao Poder Judiciário aplicar o direito ao caso concreto.

Assim, conclui-se que caso o gestor público seja relapso e atue com descaso no que se refere aos direitos fundamentais relacionados à criança e ao adolescente, não só permite-se, como também impõe-se a pronta atuação deste Órgão do Ministério Público, assim como do Poder Judiciário, no objetivo de fazer valer os ditames constitucionais e infraconstitucionais.


III – DA NECESSIDADE DA LIMINAR

A omissão do Estado de Santa Catarina no que tange às condições da Escola Estadual Itaty deve cessar imediatamente, exigindo que esta pretensão seja deferida desde o recebimento da presente inicial.

Atente-se que não só a Lei n. 7.347/85, em seu artigo 12, caput, como também o artigo 213, § 1º, da Lei n. 8.069/90, autorizam, mediante a relevância do fundamento da demanda e do justificado receio da ineficácia do provimento final, a concessão de liminar para conceder previamente o direito que se pretende resguardar.

Do artigo 12, caput, da Lei n. 7.347/85, tem-se que "poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo."

E do artigo 213, insculpido na Lei n. 8.069/90, retira-se que:

Art. 213. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. 
§ 1º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citando o réu. 
§ 2º O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito. 

Sobreleva ressaltar que a verossimilhança, requisito necessário à outorga da decisão liminar, encontra respaldo fático nos próprios fundamentos já narrados, vez que o direito pátrio impõe o direito à educação como fundamental e necessário para a instrumentalização dos demais direitos.

Fica assim demonstrada a plausibilidade do direito invocado e o fundado receio de ineficácia do provimento final, motivo pelo qual a concessão da liminar é medida que se impõe.

E como forma de evitar o descumprimento da liminar eventualmente concedida, bem como para dar efetividade ao provimento jurisdicional, requer o Ministério Público que seja cominada multa diária para o caso do Estado não providenciar a reforma geral da Escola Estadual Itaty, bem como que sejam bloqueadas verbas públicas.


VI – DO "CONTEMPT OF COURT" E O BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS

Sabe-se que o agente do Estado atua em nome do ente público e é diretamente responsável pela administração. Portanto, o ente estatal em si não possui vida, uma vez que é dirigido por gestores, os quais assumem a responsabilidade, no período do mandato, de administrarem nos termos das leis e de respeitarem eventual decisão judicial prolatada em desfavor do ente público. 

Todavia, não raras vezes aquele que ocupa o cargo público, mesmo conhecedor da existência de multa fixada contra o ente público para o caso de descumprimento de decisão judicial, age com irresponsável descaso frente à liminar concedida, pois sabe que os valores sairão dos cofres públicos, ou seja, recai sobre os cidadãos, já que o administrador público não se sensibiliza com o prejuízo e continua a agir ilegalmente.

A imposição de multa para pagamento ao Estado é medida legal, que visa ao cumprimento da decisão. Contudo, como o valor da multa não é suportado pelo agente público, mas sim pelo ente municipal, esta circunstância tem gerado o desrespeito das decisões judiciais, além de duplo prejuízo para a população: primeiro porque o agente público não cumpre com suas obrigações; segundo porque o pagamento da multa é feito com dinheiro público.

Diante do descaso referido, o legislador pretendendo dar plena efetividade aos provimentos judiciais relativos às obrigações de fazer, fez constar no § 5º do artigo 461 do Código de Processo Civil que:

§ 5º Para a efetivação da tutela específica ou obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.

A partir daí novo entendimento doutrinário e jurisprudencial tem sido aplicado e tem permitido melhores resultados, com maior respeito às decisões proferidas.

Inúmeras decisões continuam a fixar a multa, com a diferença de que a mesma deve ser suportada pelo próprio agente público, pois é totalmente descabido ver a multa recair sobre a pessoa jurídica, quando esta depende da manifestação de vontade da pessoa física que exerce a função pública.

Nesse sentido, necessário se faz mencionar o entendimento de Luiz Guilherme Marioni, que leciona:

Se a pessoa jurídica exterioriza a sua vontade por meio da autoridade pública, é lógico que a multa somente pode lograr o seu objetivo se for imposta diretamente a agente capaz de dar atendimento à decisão jurisdicional”.
"Não há procedência no argumento de que a autoridade pública não pode ser obrigada a pagar a multa derivada de ação em que foi parte apenas a pessoa jurídica. É que essa multa somente poderá ser imposta se a autoridade pública, que exterioriza a vontade da pessoa jurídica, não der atendimento à decisão. Note-se que a multa somente pode ser exigida da própria autoridade que tinha capacidade para atender à decisão – e não a cumpriu. A tese que sustenta que a multa não pode recair sobre a autoridade somente poderia ser aceita se partisse da premissa – completamente absurda – de que o Poder Público pode descumprir decisão jurisdicional em nome do interesse público. (Técnica Processual e Tutela dos Direitos, São Paulo: RT, 2004, p. 661-662)

Ademais, no dizer de Ada Pelegrini Grinover, “Contempt of Court” significa "a prática de qualquer ato que tenda a ofender um juiz ou tribunal na administração da justiça, ou a diminuir sua autoridade ou dignidade, incluindo a desobediência a uma ordem" (Abuso do processo e resistência às ordens judiciárias: o contempt of court, Marcha, pp 62/69, especialmente, p. 68, ano 2000).

Portanto, objetivando a credibilidade do Poder Judiciário, este instituto deve ser aplicado sempre que decisões judiciais forem desrespeitadas.

Acerca da aplicação da multa em desfavor do gestor, o egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina, assim decidiu:

[...] é válido ressaltar que a aplicação de multa no caso de descumprimento da determinação judicial é cabível, mesmo sendo contra pessoa jurídica de direito público:
[...]
MULTA DIÁRIA PARA O CASO DE DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO FIXADA NA SENTENÇA - FAZENDA PÚBLICA - POSSIBILIDADE. As astreintes podem ser fixadas pelo juiz de ofício, mesmo sendo contra pessoa jurídica de direito público (Fazenda Estadual), que ficará obrigada a suportá-las casos não cumpra a obrigação de fazer no prazo estipulado (Resp. n. 201.378, Min. Fernando Gonçalves). (TJSC - AP n. 2006.000886-0, de Mafra, Rel.Des. Sérgio Roberto Baasch Luz, j. em 11/09/2007). 
Com efeito, considerando a gravidade que pode gerar o descumprimento da decisão agravada, a multa fixada em R$ 1.000,00 (mil reais), sendo R$ 500,00 (quinhentos reais) para cada secretário é razoável. (TJSC. Agravo de Instrumento n. 2012.015293-5. Câmara Civil Especial).  

Assim, como forma de evitar o descumprimento da liminar eventualmente concedida, bem como para dar efetividade ao provimento jurisdicional, requer o Ministério Público que ao ser cominada multa diária ao Estado de Santa Catarina, seja a mesma cobrada pessoalmente do Governador do Estado Raimundo Colombo e do Secretário de Estado da Educação Eduardo Deschamps, diretamente de suas folhas de pagamento, para o caso de descumprimento da liminar.

Ademais, o Ministério Público requer ainda, no caso de descumprimento da liminar, o bloqueio das verbas públicas do Estado de Santa Catarina no valor necessário à reforma do colégio, por meio do Bacenjud, para garantia da educação.  

O bloqueio de valores é perfeitamente cabível se o ente público se opõe a cumprir determinação judicial, ainda que não transitada em julgado, como meio de suprir necessidade urgente.

Nesse sentido:

APELAÇÃO CÍVEL. AGRAVO RETIDO. ECA. EDUCAÇÃO. VAGA EM ESTABELECIMENTO DE EDUCAÇÃO INFANTIL. DIREITO FUNDAMENTAL DA CRIANÇA À EDUCAÇÃO. A Constituição Federal, em seu art. 208, IV, garante ao infante de até cinco anos o direito à educação, assegurando-lhe o atendimento em creche ou pré-escola. A Lei 9394/96, que estabelece as diretrizes e bases da educação, em seu art. 11, V, atribuiu aos Municípios a competência para garantir a educação infantil. Uma vez negado ou dificultado o acesso à educação infantil, violando, assim direito fundamental subjetivo ao ensino, cabível a intervenção jurisdicional, a fim de garantir a efetividade dos preceitos legais e constitucionais. Alegação de superlotação nas creches e pré-escolas e de incapacidade orçamentária que não restaram comprovadas nos autos. Descabe condenar o Município a pagar honorários ao FADEP, já que o custeio do serviço público prestado pela Defensoria Pública é ônus do Estado. Possível o bloqueio de verbas públicas, ao fim de dar efetividade à ordem judicial de atendimento de vagas na educação infantil. Medida que não se mostra gravosa à sociedade e que garante aos menores o direito fundamental à educação. AGRAVO RETIDO DESPROVIDO. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (TJRS. Apelação Cível n. 70040907354, Sétima Câmara Cível. Relator: André Luiz Planella Villarinho. DJ 23/03/2011 – grifou-se).

Desta forma, as medidas postuladas anteriormente (multa pessoal ao Governador e ao Secretário Estadual de Educação, bem como o bloqueio de verbas estaduais) têm o condão de garantir a efetividade do provimento jurisdicional.

Por fim, cabe destacar que caso haja descumprimento do preceito judicial, eventual multa aplicada deverá ser destinada ao Fundo Municipal da Infância e Adolescência (FIA de Palhoça).


V – DOS REQUERIMENTOS:

Ante todo o exposto, este Órgão de Execução do Ministério Público requer:

1. O recebimento da inicial; 

2. A concessão de liminar inaudita altera pars consistente em ordem judicial de obrigação de fazer, ou seja, que o Estado de Santa Catarina efetue a reforma e a adequação geral da  Escola Estadual Itaty, localizada nesta Comarca de Palhoça, atendendo às seguintes exigências do Corpo de Bombeiros Militar e da Vigilância Sanitária, sempre de acordo com a legislação vigente (prazos estabelecidos pelos órgãos técnicos):

* No que se refere ao Corpo de Bombeiros Militar: 

1. Providenciar projeto preventivo contra incêndio aprovado e alvará de habite-se (prazo – 180 dias); 

2. Instalar sistema preventivo por extintores (prazo – 48 horas); 

3. Relocar central de gás canalizado (prazo – 60 dias); 

4. Instalar sistema de iluminação de emergência (prazo – 48 horas); 

5. Instalar sistemas de abandono de local (prazo – 48 horas); 

* No tocante à Vigilância Sanitária: 

1. Providenciar telas milimétricas nas portas e janelas da cozinha impedindo a entrada de vetores (prazo - 30 dias);

2. Revestir o piso da cozinha com material liso, lavável, impermeável e íntegro (prazo - 180 dias);

3. Revestir as paredes da cozinha com material liso, lavável, impermeável e íntegro (prazo - 180 dias);

4. Instalar ralo no piso da cozinha (prazo - 180 dias);

5. Revestir internamente armários inferiores da cozinha (prazo - 180 dias);

6. Instalar prateleiras no depósito de alimentos de material liso, resistente, impermeável e lavável, à 30 cm do piso (prazo - 90 dias);

7. Manter o fogão em perfeito estado de conservação, livre de ferrugem (prazo - 30 dias);

8. Instalar exaustor sobre o fogão da cozinha (prazo - 30 dias);

9. Instalar lavatório exclusivo para as mãos dos manipuladores de alimentos na cozinha, com sabonete líquido anti-séptico e toalhas de papel não reciclado (prazo - 90 dias); 

10. Disponibilizar lixeira com tampa e acionada sem contato manual na cozinha (prazo - 30 dias);

11. Providenciar utensílios (panelas e bandejas) íntegros livres de amassados e manchas (prazo - 30 dias);

12. Disponibilizar local exclusivo para guarda de material e equipamentos de limpeza, saneantes e de higiene (prazo - 180 dias);

13. Disponibilizar a adaptação de todo o estabelecimento para atendimento aos alunos portadores de necessidades especiais (prazo - 180 dias);

14. Eliminar toda a fiação elétrica exposta em todo o estabelecimento de ensino (prazo - 90 dias);

15. Disponibilizar lixeiras com saco coletor e tampa nos pátios (prazo - 30 dias);

16. Disponibilizar depósito de resíduos junto ao alinhamento frontal, não obstruindo o passeio público (prazo - 30 dias);

17. Disponibilizar área de lazer coberta com, no mínimo, 30m² (prazo - 180 dias);

18. Disponibilizar área de lazer descoberta com, no mínimo, 50m² (prazo - 180 dias);

19. Disponibilizar muros e portões íntegros com altura suficiente que impeça o acesso de cães nos pátios do estabelecimento (prazo - 180 dias);

20. Manter corrimões e guarda corpos íntegros e firmes (prazo - 180) dias;

21. Providenciar a limpeza dos pátios eliminando vegetação alta e materiais estranhos à atividade escolar (prazo - 30) dias;

22. Pintura geral das paredes internas, externas e muros de todo o estabelecimento com tinta de cor clara e fosca (prazo - 180 dias);

23. Eliminar goteiras em todos os ambientes do estabelecimento (prazo - 180 dias);

24. Providenciar carteiras e cadeiras adequadas ergonomicamente aos alunos, íntegras e em número suficiente (prazo - 90 dias);

25. Providenciar armários para guarda de material escolar em número suficiente nas salas de aula (prazo - 90 dias);

26. Instalar porta papel toalha, saboneteira líquida e lixeiras com tampa de acionamento sem contato manual nos banheiros (prazo - 90 dias);

27. Disponibilizar caixa d'água e cisterna íntegras e em funcionamento (prazo - 90 dias);

28. Dispor de bancos e mesas íntegros na área do refeitório (prazo - 90 dias);

29. Disponibilizar bebedouros íntegras e em funcionamento, no mínimo 1 bebedouro para cada 50 alunos (prazo - 90 dias);

30. Instalar mictório no banheiro masculino (prazo - 90 dias);

31. Disponibilizar 1 chuveiro para cada 5 alunos na prática de educação física (prazo - 90 dias);

32. Providenciar Certificado de curso de manipulação das merendeiras (prazo - 90 dias);

33. Providenciar Certificado de Limpeza e Desinfecção da Caixa D'água e Cisterna (prazo - 90 dias);

34. Providenciar Certificado de Desratização e Desinsetização (prazo - 30 dias);

35. Providenciar o Alvará Sanitário (prazo - 180 dias).

3. A fixação, em caso de não cumprimento da liminar, de multa diária equivalente a R$ 2.000,00 (dois mil reais), descontando-se R$ 1.000,00 (mil  reais) diretamente da folha de pagamento do Governador do Estado, Raimundo Colombo e R$ 1.000,00 (mil reais) diretamente da folha de pagamento do Secretário de Estado da Educação, Eduardo Deschamps, revertendo a quantia total em favor do Fundo da Infância e Juventude de Palhoça, independentemente das sanções cíveis e penais correspondentes;

4. No caso de descumprimento da liminar, o bloqueio das verbas do Estado de Santa Catarina no valor total da reforma a ser executada,  por meio do Bacenjud, para garantia do direito à educação;

5. A citação do requerido para que conteste a ação, na pessoa de seu representante legal; 

6. A notificação do Governador do Estado, do Secretário de Estado da Educação e do Secretário de Desenvolvimento Regional da Grande Florianópolis;

7. A produção de todas as provas em direito admitidas, documental, pericial e testemunhal, por intermédio da inquirição das pessoas adiante arroladas;

8. Seja julgado procedente o pedido ao final, mantendo-se a liminar concedida. 

Dá-se à causa, para efeitos fiscais, o valor de R$ 1.000,00 (mil reais).

Palhoça, 31 de julho de 2015.

AURÉLIO GIACOMELLI DA SILVA
PROMOTOR DE JUSTIÇA

ROL DE TESTEMUNHAS:

1. Fernando Ireno Vieira – Tenente do Corpo de Bombeiros Militar de Palhoça;

2. Osvaldo Ramos Maciel -– Fiscal da Vigilância Sanitária de Palhoça.

Nenhum comentário:

Postar um comentário