Equipe:


Aurélio Giacomelli da Silva - Promotor de Justiça

Letícia Titon Figueira - Assistente de Promotoria

Ana Paula Rodrigues Steimbach - Assistente de Promotoria

Mallu Nunes - Estagiária de Direito

Giovana Lanznaster Cajueiro - Telefonista

Mário Jacinto de Morais Neto - Estagiário de Ensino Médio




quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Conselhos Tutelares sem motoristas - Crianças não atendidas - Ordem judicial não cumprida pelo Prefeito de Palhoça - Representação ao Procurador-Geral para apuração de supostos crimes de responsabilidade e de prevaricação cometidos pelo Prefeito de Palhoça



EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR PROCURADOR GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA


O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA, por intermédio deste Órgão de Execução, com fundamento nos artigos 129, inciso IX, e 227, ambos da Constituição da República de 1988; nos artigos 3º, 4º, 22, 194, 201, inciso X e 249, todos da Lei n. 8.069/90, e ainda, nos artigos 14 e 22 da Lei n. 8.429/1992 vem apresentar

REPRESENTAÇÃO EM RAZÃO DE PRÁTICA DE CRIME DE RESPONSABILIDADE E PREVARICAÇÃO

em desfavor de:

CAMILO NAZARENO PAGANI MARTINS, Chefe do Poder Executivo do Município de Palhoça, com domicílio profissional à Avenida Hilza Terezinha Pagani, n. 289, Parque Residencial Pagani, Palhoça/SC, pelos fatos e fundamentos a seguir expostos:

I – DOS FATOS:

O Ministério Público, por intermédio deste Órgão de Execução, instaurou o Inquérito Civil n. 06.2016.0008911-5, no intuito de apurar eventual suspensão/interrupção dos atendimentos prestados pelo Conselho Tutelar de Palhoça, visto que não havia motoristas suficientes para laborar em todos os períodos de atendimento do referido Órgão de Proteção, que deve ser ininterrupto.

O procedimento extrajudicial referido foi instaurado com base em representação formulada pelos Conselhos Tutelares, noticiando que o Município de Palhoça havia se recusado a destinar motoristas para atuarem em todos os horários de atendimento dos Conselhos, já que havia exonerado e concedido férias a alguns profissionais e não efetuou as devidas substituições, inviabilizando os atendimentos prestados pelo referido órgão protetivo.

Com o objetivo de averiguar os fatos, este Órgão de Execução do Ministério Público requisitou diversas informações ao Município de Palhoça (na pessoa do prefeito), na tentativa de verificar quais medidas estariam sendo tomadas pela municipalidade para evitar a interrupção dos atendimentos prestados pelos Conselhos Tutelares em decorrência da ausência de motoristas.

Em resposta, o Município de Palhoça, em total desídia com o pleito ministerial e principalmente com a grave situação enfrentada pelos Conselhos Tutelares, informou que simplesmente estava adotando as medidas pertinentes, sem apontar especificamente se os problemas anteriormente narrados, haviam sido sanados.

Logo após, sobreveio expediente do Conselho Tutelar Semear informando que o quadro de motoristas não estava completo, já que permaneciam sem o referido profissional no período matutino e que somente até 22/12/2016, seria disponibilizado motorista para o período vespertino, sem haver portanto, previsão para que a ausência de profissionais fosse completamente sanada, o que interromperia os serviços prestados pelos Conselhos Tutelares.

Diante disso, na tentativa de resolver o empasse de maneira extrajudicial, expediu-se ofício ao Município de Palhoça requisitando-se informações urgentes acerca dos fatos narrados pelo Conselho Tutelar, todavia o representado, Camilo Nazareno Pagani Martins, em total desinteresse com a grave situação do órgão de proteção, nada informou, tão somente solicitou dilação do prazo, que também deixou de cumprir.

Assim, em razão da desídia da municipalidade em disponibilizar motoristas para atuarem em todos os períodos no Conselho Tutelar de Palhoça, o que inviabiliza substancialmente o trabalho dos Conselhos Tutelares, não restou alternativa, senão ajuizar a ação civil pública n. 0900514-85.2016.8.24.0045 para assegurar os direitos das crianças e adolescentes deste município.

Na referida ação civil pública, em sede liminar, o Juízo da Infância e Juventude da Comarca de Palhoça determinou ao Município que:

Providencie todas as medidas administrativas necessárias para que os Conselhos Tutelares Proteção e Semear funcionem de forma continuada e ininterrupta, devendo para tanto, serem disponibilizados motoristas suficientes para ambos os Conselhos Tutelares, em todos os períodos (matutino, vespertino e noturno), inclusive nos finais de semana e feriados, sem haver nenhuma interrupção do serviço; b) que sejam contratados ou realocados, em caráter emergente, ao menos, 02 motoristas para cada período de atendimento, um destinado ao Conselho Proteção e outro ao Conselho Tutelar Semear, ou seja, ambos os Conselhos deverão possuir motoristas 24 (vinte e quatro) horas diárias, de modo a evitar eventuais interrupções no serviço e, consequentemente, prejuízos às crianças e adolescentes. Fica estipulado o prazo de 15 (quinze) dias para cumprimento das obrigações estipuladas.

Logo após a decisão, no dia 17/01/2017, o prefeito do Município de Palhoça, restou devidamente citado por intermédio de sua procuradora municipal, no entanto, em total desídia e omissão, deixou de dar cumprimento à ordem judicial supramencionada, consoante expediente n. 011/2017 de 06/02/2017, encaminhado pelo Conselho Tutelar:

Cumprimentando-o cordialmente, vimos informar que estes Conselhos Tutelares encontram-se apenas com um motorista, o que descumpre o mandado 045.2017/000420-0 – Inf. Juv. – Palhoça, dos Autos 0900514-85.2016.8.24.0045, que estipulou o prazo de 15 (quinze) dias para cumprimento da seguinte determinação [...] Informamos que no dia de hoje, temos disponível apenas o motorista Sr. Valdir Pierri, que trabalha no período matutino no Conselho Tutelar Semear, descumprindo a determinação judicial e interrompendo os serviços prestados às crianças e adolescentes em período integral no Conselho Tutelar Proteção e no período vespertino no Conselho Tutelar Semear.

Ressalta-se que data de hoje (08/02/2017), este Órgão de Execução do Ministério Público, recebeu informações advindas do Conselho Tutelar Proteção, informando que há um caso grave que deveria ser atendido imediatamente pelo referido órgão, todavia, não será possível verificar tal situação, já que não há nenhum motorista nos dois Conselhos Tutelares:

[...] Informamos que recebemos denúncia de duas crianças, de 1 ano e 3 anos, que estão em casa gritando por ajuda e não temos motorista no período vespertino para averiguar tal denúncia, conforme contato já realizado nesta Promotoria através do ofício n. 012/2017.

Desse modo, o representado em total desídia, desobedeceu ordem judicial e ainda, deixou de praticar, indevidamente, ato de ofício, com o objetivo de satisfazer interesse pessoal, conforme será demonstrado em seguida.

II  DO DIREITO:

A Constituição Federal de 1988, ao tratar dos direitos da criança e do adolescente consagrou em seu art. 227, caput, os princípios da proteção integral e da prioridade absoluta, sendo um dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente, os direitos fundamentais, colocando-os a salvo de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Nesse passo, é que os direitos fundamentais das crianças e adolescentes devem ser tratados com absoluta prioridade pela sociedade e principalmente pelo ente público, que deve executá-los de forma prioritária.

Sabe-se que o Conselho Tutelar constitui-se num órgão essencial do Sistema de Garantia dos Direitos (Resolução n. 113 do CONANDA), tendo sido concebido pelo ECA, para desjudicializar e agilizar o atendimento prestado à população infantojuvenil. 

O artigo 131, do ECA, disciplina que o "Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta Lei".

Dessa forma, cabe ao Poder Executivo Municipal ou Distrital fornecer ao Conselho Tutelar os meios necessários para sistematização de informações relativas às demandas e deficiências na estrutura de atendimento à população de crianças e adolescentes (art. 23, da Resolução n. 170 do CONANDA);

De acordo com o art. 4, §1º, da Resolução 170 CONANDA, o Conselho Tutelar para o exercício de suas funções, deverá contar com transporte adequado, permanente e exclusivo, devendo ser mantido pelo município.

A referida resolução em seu art. 19, também disciplina que o Conselho Tutelar deverá atender a população de forma ininterrupta, por meio de plantões ou sobreaviso, consoante disposto no art. 19 da Resolução 170 CONANDA;

Consoante mencionado alhures, o representado mesmo após diversas tentativas extrajudiciais e inclusive com ordem judicial, está se omitindo por vontade própria, de fornecer ao Conselho Tutelar transporte adequado e ininterrupto, inviabilizando o atendimento das crianças e adolescentes deste município.

É atribuição do Gestor Municipal, fornecer todo o aparato necessário para o funcionamento do Conselho Tutelar, que deve ser de forma continuada e não pode ser interrompido por meras questões burocráticas. 

No entanto, o representado, mesmo após decisão judicial, permanece descumprindo os preceitos constitucionais e ainda, desobedecendo decisão judicial, o que configura em tese, a prática do crime de responsabilidade, tipificado no art. 1º, XIV, do Decreto Lei N. 201/67:

Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:
XIV - Negar execução a lei federal, estadual ou municipal, ou deixar de cumprir ordem judicial, sem dar o motivo da recusa ou da impossibilidade, por escrito, à autoridade competente;

Nesse sentido, os Tribunais Superiores já se manifestaram acerca da responsabilização dos prefeitos por crime de responsabilidade quando há desobediência à ordem judicial:

STJ - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL : AgRg no REsp 679499 AM 2004/0102813-9
PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIME DE RESPONSABILIDADE DE PREFEITO POR DESOBEDIÊNCIA A ORDEM JUDICIAL. ART. 1º, XIV, DO DECRETO-LEI 201/67. VALORAÇÃO JURÍDICA DO FATO. DESNECESSÁRIO O REEXAME DE PROVAS. TIPICIDADE DA CONDUTA. AGRAVO IMPRÓVIDO.(AgRg no REsp 679499 AM 2004/0102813-9 -Órgão Julgador: T5 – Quinta Turma, publicado em 09/06/2008. Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima)

E ainda:

STF - PENAL. PROCESSUAL PENAL. PREFEITO MUNICIPAL: DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL: CRIME DE RESPONSABILIDADE. D.L. 201/67, art. 1º, XIV. AÇÃO PENAL: TRANCAMENTO: IMPOSSIBILIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA: INOCORRÊNCIA. PRESCRIÇÃO: INOCORRÊNCIA. Cód. Penal, art. 109, IV. I. O crime de desobediência somente é praticado por agente público quando este está agindo como particular. Cód. Penal, art. 330. II. - O prefeito municipal que, quando no exercício de suas funções, deixa de cumprir ordem judicial, não comete crime de desobediência e, sim, o denominado crime de responsabilidade, tipificado no art. 1º, XIV, do D.L. 201/67, que é, na verdade, crime comum (HHCC 69.428, 70.252 e 69.850). No caso, foi o prefeito denunciado por crime de desobediência. Todavia, como a sua conduta não é atípica, não deve a ação penal ser trancada, mesmo porque o réu se defende do fato que lhe é imputado, podendo ocorrer, no caso, a ratificação da denúncia mediante emendatio libelli. III. - Inocorrência de cerceamento de defesa, já que o paciente apresentou resposta à denúncia. Inocorrência, também, de prescrição, tendo em vista a pena cominada para o delito: D.L. 201/67, art. 1º, § 1º; Cód. Penal, art. 109, IV. IV. - H.C. Indeferido. (HC 76888 PI - Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicado em 20/11/1998. Rel. Ministro Carlos Veloso)

Sendo assim, é notório que o representado, na condição de chefe do Poder Executivo do Município de Palhoça, ao deixar de cumprir a ordem judicial, está praticando crime de responsabilidade, conforme mencionado alhures.

Além de desobedecer a ordem legal emanada pelo Juízo da Infância e Juventude da Comarca de Palhoça, o representado na condição de funcionário público, está deixando de praticar, indevidamente, ato de ofício, com o objetivo de satisfazer interesse ou sentimento pessoal, o que configura o crime de prevaricação, descrito no art. 319 do Código Penal:

Prevaricação - Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa

No que se refere ao crime de prevaricação, o STJ já se manifestou a respeito:

PROCESSUAL PENAL – PREVARICAÇÃO – TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL – ATIPICIDADE DA CONDUTA – INEXISTÊNCIA DE DOLO – EXAME DE PROVAS – INVIABILIDADE. - O trancamento da ação penal somente é possível quando se constata, prima facie, a atipicidade de conduta, incidência de causa de extinção da punibilidade, ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito, ou, ainda, a indiscutível deficiência da peça vestibular. - No caso sub judice, o paciente foi denunciado pela prática de dois delitos - desobediência e prevaricação. Quanto ao primeiro, foi reconhecido pelo Tribunal a quo a incidência de causa extintiva da punibilidade. Diante disso, restrinjo-me ao exame da imputação fática quanto ao delito de prevaricação. - Pela descrição fática contida na proemial acusatória, depreende-se que o paciente, na condição de Presidente da Junta Comercial do Estado de São Paulo, deixou de responder a cinco ofícios expedidos pela Justiça Federal, que requisitou o encaminhamento de alguns contratos sociais relativos à determinadas empresas. Somente por ocasião do interrogatório é que o acusado afirmou a deficiência de funcionários para o cumprimento dos referidos ofícios. De outro lado, o v. acórdão guerreado ressaltou que, após sua gestão, os mesmos ofícios foram prontamente respondidos pelo novo gestor. - Destarte, entendo, da forma como a questão se apresenta, ser inviável o trancamento da ação penal. A avaliação da ocorrência ou não do dolo, consistente na vontade livre e consciente de praticar as ações omissivas, bem como o elemento subjetivo do tipo expresso pela especial finalidade de agir, ensejam dilação probatória, inconcebível pela via estreita escolhida. Tal circunstância, a meu sentir, somente será elucidada no decorrer da instrução criminal. (HC 20965 SP 2002/0019673-2 – Órgão Julgador Quinta Turma. Publicado em 18/11/2002)

Assim, diante da suposta prática dos crimes supramencionados por parte do gestor do município de Palhoça, não resta alternativa, senão, representá-lo, perante a autoridade competente, nos moldes do art. 84 do Código de Processo Penal.

III  DO PEDIDO:

Ante todo o exposto, este Órgão de Execução do Ministério Público requer  o recebimento e a autuação da presente Representação, a fim de que os fatos narrados sejam devidamente apurados, devendo ser tomadas as providências que Vossa Excelência entender cabíveis.

Palhoça, 9 de fevereiro de 2017.

Aurélio Giacomelli da Silva
Promotor de Justiça

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